Rotas da Consciência: Corrida como Ato de Memória e Identidade
Corrida e identidade se entrelaçam de forma poderosa no projeto Rotas da Consciência. Neste artigo, vamos explorar como essa iniciativa transforma a corrida em um ato de memória e pertencimento, celebrando a cultura negra nas ruas.
Rotas da Consciência: Corrida como Ato de Memória e Identidade
A corrida vai muito além de um simples esporte individual; ela pode se transformar em um palco vibrante para a história, a cultura e a comunidade. É exatamente essa a proposta do projeto Rotas da Consciência, uma iniciativa da Olympikus lançada em novembro. O objetivo é celebrar a cultura negra dentro da corrida de rua brasileira e trazer à tona histórias que, por muito tempo, ficaram esquecidas. Não é apenas uma campanha, mas um movimento construído com escuta, pertencimento e muita representatividade.
A importância da corrida na cultura negra
O projeto Rotas da Consciência não surgiu do nada. Ele foi cocriado com a participação ativa de corredores, artistas, historiadores e lideranças negras – pessoas que já enxergavam a corrida como um território de memória. A Olympikus, com seus 50 anos de história, escolheu reconhecer e valorizar aqueles que pavimentaram as ruas muito antes dos tênis tecnológicos e das medalhas. O conceito central é que as rotas que percorremos hoje são uma continuação dos caminhos abertos por gerações anteriores.
Histórias que moldam a corrida de rua
A Dra. Ana Paula Simões, professora, instrutora e mestre em Ortopedia e Traumatologia do Esporte pela Santa Casa de São Paulo, e diretora da Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte (CRM 108667), destaca o poder transformador da corrida. Ela ressalta que, quando a corrida ocupa as ruas como uma expressão de história, cultura e comunidade, ela ganha um significado ainda mais profundo. É uma forma de dar voz a narrativas que, muitas vezes, foram silenciadas.
Rotas históricas no Strava
Um dos pilares mais impactantes dessa iniciativa é a criação de rotas históricas no Strava. Esses percursos foram desenvolvidos em conjunto com as crews negras que movimentam as corridas nas grandes capitais. Eles nos guiam por locais que simbolizam a presença e a resistência negra no Brasil, transformando cada passada em um ato de reconhecimento e celebração.
Cais do Valongo: um símbolo de resistência
No Rio de Janeiro, uma das rotas passa pelo Cais do Valongo. Este local histórico foi um dos maiores portos de entrada de africanos escravizados nas Américas. Correr por ali é um ato de memória e respeito, conectando o presente com um passado de dor, mas também de imensa resistência e força.
Pelourinho: memória e identidade
Em Salvador, o percurso inclui o Pelourinho. Conhecido por sua arquitetura vibrante e colorida, o Pelourinho também foi palco de castigos públicos durante a escravidão. Hoje, é um centro pulsante da cultura afro-brasileira, e correr por suas ladeiras é reafirmar a identidade e a resiliência do povo negro.
Praça Brigadeiro Sampaio: um espaço de luta
Na capital gaúcha, Porto Alegre, a rota passa pela Praça Brigadeiro Sampaio. Este espaço representa a luta e a resistência da comunidade negra na cidade, servindo como um lembrete das batalhas travadas e das conquistas alcançadas ao longo da história.
Praça da Sé: o coração de São Paulo
Em São Paulo, a Praça da Sé, localizada no coração da metrópole, é um ponto de encontro e de manifestações históricas. Correr por essa praça é sentir o pulsar da cidade e a presença da história negra que se entrelaça com o desenvolvimento e a identidade da capital paulista.
Treinões da Consciência: união e força
No dia 20 de novembro, o projeto ganhou vida coletiva com os “Treinões da Consciência”. Mais de 3 mil pessoas se reuniram em eventos simultâneos, organizados por quatro crews fundamentais desse movimento: Arte Corre Crew (RJ), SBN Running (Salvador), Corre Preto (Porto Alegre) e Corre Kilombo (SP). Foi um momento de união que transcendeu a performance, focando em ocupar as ruas com identidade, força e alegria.
Documentário Rotas da Consciência
No mesmo dia 20 de novembro, estreou o documentário “Rotas da Consciência”. O filme foi gravado em quatro capitais e na Serra da Barriga, berço do Quilombo dos Palmares. O roteirista Vinícius Neves Mariano descreve a obra como uma reflexão profunda sobre liberdade, aquilombamento e humanidade, mostrando como entender nossas raízes nos dá força para continuar correndo, não só no asfalto, mas na vida.
Vozes das crews de corrida
Cada crew participante traz uma perspectiva única para o movimento. O Corre Kilombo (SP) representa potência, pertencimento e celebração. A Arte Corre Crew (RJ) busca ressignificar as cidades e dar visibilidade aos coletivos pretos. A SBN Running (Salvador) destaca a identidade suburbana, a energia e a resistência. Já o Corre Preto (Porto Alegre) utiliza a corrida como uma ferramenta para ampliar o debate racial. Todas convergem na necessidade de enxergar a corrida como uma cena plural, diversa e representativa.
A corrida como ferramenta de transformação
A Dra. Ana Paula Simões, em seu comentário, enfatiza que a corrida tem um poder imenso de mudar vidas. Contudo, quando ela também transforma narrativas, amplia a representatividade e fortalece identidades, o impacto é ainda maior. É um convite para que corredores de todo o Brasil percebam que ocupar as ruas não é apenas sobre treinar, mas sobre reconhecer quem abriu caminho antes e quem ainda luta para existir nesses mesmos espaços. Além disso, a iniciativa lançou uma edição especial do tênis Corre da Consciência, desenhada pela designer Amanda Lobos. O calçado resgata símbolos ancestrais e utiliza cores inspiradas em 13 bandeiras de países africanos, com o ideograma Adinkra do povo Akan/Ashanti estampado, conferindo não só estética, mas uma profunda função cultural.
Conclusão: ocupando as ruas com consciência
O projeto Rotas da Consciência nos lembra que cada passo que damos pode ser um ato de memória e um elo com a história. Que possamos continuar a ocupar as ruas com consciência, valorizando a história, a potência e o respeito que cada trajeto carrega. Bons treinos, valentes, e que cada corrida seja um passo em direção a um futuro mais justo e representativo!
Fonte: Ge.globo.com
