Como o calor afeta seu corpo durante a corrida: entenda os impactos

Você já parou para pensar no que acontece com seu corpo quando corre em altas temperaturas? O calor pode ser um grande desafio para os corredores, e entender como ele afeta nosso desempenho é crucial. Neste artigo, vamos explorar como o calor impacta sua corrida e quais estratégias podem ajudar a melhorar sua performance.
O impacto do calor no corpo durante a corrida
Correr sob temperaturas elevadas, especialmente acima de 20-25ºC com umidade considerável, impõe um desafio extra ao nosso corpo. Nessas condições, o estresse térmico aumenta, sobrecarregando os sistemas que regulam nossa temperatura. Isso acelera a fadiga, altera o metabolismo e pode não só prejudicar seu desempenho, mas também elevar o risco de exaustão por calor.
Fisiologicamente, o corpo tenta se resfriar principalmente pela transpiração (evaporação) e pela dilatação dos vasos sanguíneos na pele. Contudo, quando o ambiente já está quente e úmido, a evaporação se torna menos eficiente, e o calor interno se acumula. Esse acúmulo eleva a temperatura central, ativando mecanismos de proteção que, por sua vez, consomem mais recursos metabólicos e aumentam o esforço cardiovascular.
Com o tempo, a perda de líquidos pelo suor pode diminuir o volume de sangue circulante, e o sangue é desviado para a pele para ajudar no resfriamento. Isso reduz o retorno venoso ao coração e o débito cardíaco, forçando o coração a bater mais rápido para compensar — um esforço que não é sustentável a longo prazo. Além disso, o metabolismo se altera, com maior uso de glicogênio e produção de lactato, e os músculos podem sofrer sobrecarga térmica, afetando a contração eficiente. A desidratação, por sua vez, agrava todos esses problemas, aumentando a percepção de esforço e o risco de cãibras ou colapso térmico. Estudos mostram que, para cada 1ºC acima de certos limites, há um impacto notável no tempo de conclusão da prova, especialmente para quem não está acostumado.
Por que alguns atletas se destacam no calor?
É curioso notar que, enquanto a maioria dos corredores sente o impacto negativo do calor, alguns atletas de elite conseguem resultados impressionantes mesmo em condições quentes. Análises de grandes maratonas, como a de Berlim entre 1974 e 2019, Boston e Nova York, revelam dados surpreendentes.
Em Berlim, por exemplo, os atletas de elite (top-3, top-10) registraram tempos melhores em dias mais quentes e ensolarados, dentro de uma faixa específica de temperatura, em comparação com dias frios. Isso contrasta bastante com corredores amadores ou de menor nível, que geralmente veem seus tempos piorarem com o aumento da temperatura e/ou umidade. O “ótimo térmico” para maratonas de elite é sugerido em torno de 17-19 ºC para vencedores ou top 10, conforme estudos de Berlim.
Além disso, há evidências de que atletas de regiões como a Etiópia e o Quênia, ou outros acostumados a treinar em climas quentes ou tropicais, possuem vantagens adaptativas. Eles tendem a ter menor massa corporal, maior capacidade de dissipar calor, melhor tolerância à umidade e uma aclimatação prévia mais eficaz.
Aclimatação ao calor: como funciona?
A capacidade de resistir melhor ao calor não é mágica; é uma adaptação fisiológica. A aclimatação ao calor acontece ao longo de semanas de exposição gradual a altas temperaturas. Esse processo resulta em mudanças importantes no corpo, como o aumento do volume de plasma sanguíneo, o que melhora a circulação e o transporte de oxigênio.
Outro benefício é uma sudorese mais eficiente: você começa a suar mais cedo, em maior volume e com menos perda de sal. Isso ajuda a manter a temperatura corporal interna mais baixa durante o exercício, diminuindo o risco de hipertermia. Para uma aclimatação eficaz, recomenda-se a exposição ao calor por cerca de 10 a 14 dias ou mais antes da prova, preferencialmente no mesmo horário em que a corrida será disputada e com intensidade de treino similar. Treinar em ambientes quentes ou usar calor artificial (como saunas ou túneis de calor) também pode induzir essas adaptações fisiológicas.
Estratégias de refrigeração para corredores
Manter a temperatura corporal sob controle é vital para o desempenho no calor. Existem técnicas de resfriamento que podem ser aplicadas antes e durante a prova:
Resfriamento pré-prova (Pre-cooling)
- Imersão em água fria: Ajuda a baixar a temperatura central antes da largada.
- Coletes de gelo: Usar coletes com gelo nas axilas ou envolver o tronco com gelo ou vestes refrigeradas.
- Jatos frios e bebidas geladas: Consumir líquidos frios ou usar jatos de água fria no corpo.
Resfriamento durante a prova (Mid-cooling)
- Gelo e água: Usar gelo, água ou molhar a cabeça e os braços nos postos de hidratação.
- Sombra: Aproveitar ao máximo as áreas de sombra no percurso.
- Sprays e toalhas frias: Refrescar a pele com sprays de água ou toalhas frias.
Importância da hidratação e eletrólitos
A hidratação é um pilar fundamental para correr no calor. Manter o equilíbrio de fluidos e eletrólitos é crucial para evitar que o plasma sanguíneo se torne muito espesso ou que seu volume diminua. Isso garante um fluxo sanguíneo adequado tanto para os músculos quanto para a pele, facilitando a dissipação do calor e prevenindo a desidratação, que agrava o drift cardiovascular.
A perda de eletrólitos como sódio e potássio pelo suor pode levar a desequilíbrios sérios. A desidratação, definida como uma perda de mais de 2-3% do peso corporal, compromete o resfriamento, aumenta a percepção de esforço e eleva o risco de cãibras e colapso térmico. Por isso, é essencial planejar a ingestão de líquidos e eletrólitos antes, durante e depois da prova, utilizando bebidas isotônicas e avaliando individualmente a taxa de suor para um plano personalizado.
Treinamento específico para o calor
Para se adaptar e performar bem em altas temperaturas, o treinamento precisa ser intencional. Isso inclui:
- Treinos longos no calor: Realizar corridas de longa duração em condições quentes para acostumar o corpo ao estresse térmico.
- Exposição controlada: Treinar em ambientes com calor controlado ou usar recursos como saunas e túneis de calor para induzir adaptações fisiológicas.
- Sessões de intensidade: Incluir treinos de intensidade sob calor controlado para que o corpo se adapte a manter o desempenho mesmo em condições adversas.
- Horário estratégico: Fazer treinos longos no horário do dia mais quente possível, simulando as condições da prova em termos de duração e exigência.
Aspectos psicológicos na corrida em altas temperaturas
A mente desempenha um papel tão importante quanto o corpo quando se corre no calor. Conhecer o próprio corpo, entender a dor térmica e ajustar a percepção de esforço são habilidades cruciais. Evitar a sobrecarga mental precoce é fundamental, e isso pode ser alcançado mantendo a calma, fragmentando a prova em etapas menores, mentalizando o calor como parte do desafio e usando estímulos externos para manter o foco.
A preparação mental envolve treinar sob desconforto térmico para reduzir o choque no dia da prova. Técnicas como mentalização, visualização e autoafirmação positiva (“positive self-talk”) são valiosas. Ter planos de contingência para quando o calor se intensificar e estar preparado para flexibilizar a estratégia de prova, caso o ambiente exceda o esperado, também são aspectos importantes da preparação psicológica.
Boas práticas para evitar problemas no calor
Para mitigar os efeitos negativos do calor e da umidade, algumas práticas são essenciais:
Estratégia de ritmo adaptado
- Ajuste inicial: Comece um pouco mais lento se o calor for intenso, evitando picos de esforço nos primeiros quilômetros.
- Pacing inteligente: Adote um ritmo negativo (segunda metade mais rápida) ou, no mínimo, um ritmo moderado no início, guardando energia para o final da prova.
- Monitoramento interno: Preste atenção à sua percepção de esforço, sensação térmica e frequência cardíaca para ajustar o ritmo conforme necessário.
Vestimenta adequada
- Roupas leves: Use peças de secagem rápida, que permitam a evaporação do suor.
- Cores claras: Opte por roupas claras ou que reflitam o calor, com boa ventilação.
- Proteção: Chapéus, viseiras, óculos escuros e protetor solar são indispensáveis para evitar queimaduras e ajudar no resfriamento.
Nutrição adequada
- Carboidratos: Garanta carboidratos suficientes antes e durante a prova (géis, bebidas esportivas) para manter os níveis de glicogênio.
- Alimentos leves: Evite comidas pesadas que gerem calor metabólico extra.
- Hidratação alimentar: Inclua frutas e alimentos que também forneçam água e minerais.
Monitoramento ambiental e decisão de prova
- Índices de calor: Utilize ferramentas como o WBGT (Wet-Bulb Globe Temperature) ou relógios de calor para decidir ajustes de ritmo ou medidas de segurança.
- Planos de contingência: Tenha planos para aumentar postos de água ou adicionar resfriamento ao longo do percurso, conforme a previsão de calor e umidade.
Recuperação pós-prova e treinos
- Resfriamento: Após treinos longos e provas, utilize resfriamento ativo ou passivo (imersão em água fria, gelo, compressão) para reduzir danos musculares.
- Reposição: Priorize o sono, nutrição adequada e ingestão de líquidos para restaurar fluidos e eletrólitos.
Conclusão: superando os desafios do calor
Correr no calor e na umidade é, sem dúvida, um desafio significativo. No entanto, a ciência nos mostra que, com a preparação correta, é possível não apenas manter, mas até melhorar o desempenho. Atletas de elite demonstram essa capacidade quando estão bem adaptados, hidratados, utilizam estratégias de resfriamento e planejam o ritmo com inteligência. Para corredores recreativos, as mesmas estratégias são igualmente eficazes para minimizar os prejuízos e garantir uma corrida mais segura e prazerosa.
A diferença entre aplicar essas estratégias ou não pode significar a conquista de um novo recorde pessoal, a economia de preciosos minutos ou, mais importante, a prevenção de complicações de saúde. Prepare-se bem, ouça seu corpo e aproveite cada passada, mesmo sob o sol forte!
Fonte: Webrun